DANIEL:
Realmente, depois de pensar novamente, continuo achando a mesma coisa. A natureza continua linda como sempre foi.
Talvez linda não seja a palavra certa, porque isso implica em beleza que é subjetiva, mas não sei de uma palavra melhor para descrever. Para mim, a beleza da natureza está justamente em não se importar em ser bela. E é exatamente daí que surgem todas as possibilidades, ora boas e ora ruins, sempre dependendo do ponto de vista. Isso para mim é fantástico.
O interessante da natureza é que ao mesmo tempo em que impõe regras inquebráveis para todos os seres, vivos ou não, ela também dá uma liberdade virtualmente ilimitada para eles, isso acaba criando uma variedade tão imensa de possibilidades, que até mesmo a beleza pode acontecer.
E para mim, qualquer uma dessas fotos de um predador atacando sua presa, mostra exatamente isso. Uma única imagem apresenta uma gama gigantesca de informações, que podem ser belas ou não, dependendo sempre do ponto de vista. Para a presa pode ser desagradável morrer nas garras de um predador (ainda assim, comparado com o que? morrer de doença ou velhice?), mas para o predador deve ser ótimo, e este ciclo sempre continua, afinal toda presa é também um predador em algum momento.
A própria existência da imagem é um exemplo de beleza, independente daquilo que ela retrata. Uma imagem, assim como na natureza, é um microcosmo de valores onde existe ora o claro ora o escuro, que combinados de diversas formas dão origem a algo completamente novo e fascinante. Somente a possibilidade de existir este tipo de combinação já é incrível.
Eu não consigo achar uma imagem horrível simplesmente porque mostra a morte de algum animal, e muito menos extrapolar isso para toda a natureza. A morte é apenas outra etapa da vida, que por sua vez é apenas a continuidade entre uma vida e a próxima. E dependendo da forma com que se observa, fica difícil perceber onde começa uma coisa e termina a outra. Se em uma escala em que nós observamos aconteceu uma tragédia, em outra pode ser um milagre, ou em outra pode não ser absolutamente nada.
Enfim, eu vou continuar achando a natureza o máximo... :)
DIVINA:
Filho da minha alma,
Eu também, depois de pensar novamente, continuo achando a mesma coisa. A natureza é feia, muito feia, embora com coisas lindas como acessórios.
“Não se importar em ser bela.” É frase que podemos usar para qualquer coisa que achemos bela, que seja feminino e que não tenha consciência: uma pedra, uma equação matemática, uma representação gráfica e até mesmo uma criança ainda muito pequena. Não diz muita coisa, não é mesmo? Afinal, não é o ter ou não consciência da beleza ou do que seja beleza que faz uma coisa bela. Como você disse, é subjetivo, por isso temos opiniões diferentes...
A natureza dá liberdade aos seres? Que liberdade? Não concordo, ou não entendi o que você quis dizer. Não me sinto livre, aliás, não acredito em liberdade... Por exemplo: Não tenho liberdade para parar de matar e continuar viva; não tenho, e ninguém tem liberdade para ser diferente do que é: diferença mesmo, entende? Não apenas sutis variações já previstas...
Não sei, acho que não entendi a liberdade da qual você fala...
Sobre cada cena ter variedade de interpretações, tá certo, certíssimo. Tanto que a maioria das que usei não estão colocadas no lugar onde as peguei como mostra de horror, até o contrário. Mas eu vejo assim. Não consigo ver diferente. Acho horrível e acho triste e não me sinto bem como predadora. Sei lá, acho que ando sentindo demais...
Mesmo quando o predador começa a devorar a presa ainda viva você consegue achar bonito? Eu não entendo onde há beleza aí. Não entendo mesmo...
Concordo que é maravilhoso existir a imagem... aliás, não neguei em momento algum que existe beleza na natureza... existe muita! Acho as borboletas lindas, acho as corujas maravilhosas, acho as flores fantásticas, acho o mar uma loucura de belo... enfim, dá pra ficar listando e encher páginas e mais páginas com exemplos de belezas da natureza...
Mas atrás de quase todas elas está o horror, e isso me impede de simplesmente aceitá-la como bela, ou, pior ainda, como perfeita.
“A morte é apenas outra etapa da vida, que por sua vez é apenas a continuidade entre uma vida e a próxima.” Sério que você acredita nisso? Eu não. Acho muito difícil que exista esse lance de “outra vida”. Posso viver de novo se por um acaso as moléculas do meu corpo forem compor um outro ser depois de mim, mas não serei eu, não será outra vida minha, não terá absolutamente nada a ver comigo; da mesma forma que parte da poeira que varro, que é formada por células da minha pele, não sou eu e não tem nada a ver comigo.
Se existisse uma alma imortal como querem muitas religiões, qual EU viveria eternamente? Eu sou várias (todos somos), qual Eu estará nessa vida eterna? Uma eu criança? Uma eu adolescente? Qual eu adolescente? (Fui muitas “eus” na vida, mais ainda na adolescência) Qual eu adulta? Seria eu jovem, eu velha, eu mais velha do que sou hoje?
Pra mim é muito difícil acreditar de verdade em uma vida após a morte. (mesmo tendo certeza de que, se houver, eu te amarei lá). Acho que a alma, se existir, não só não é imortal como em muitos casos morre primeiro que o corpo...
Acho que sou muito egoísta. Dou muito valor às minhas impressões: Se do meu ponto de vista uma coisa é ruim, essa coisa é ruim e pronto. Ao mesmo tempo estou sempre disposta a mudar de ideia em muitos casos; aliás, mudo o tempo todo. Mas tem coisa que não muda não, por exemplo, posso estar enganada mas acho que não existe nenhuma chance de um dia eu vir a apreciar a “personalidade cativante” do Maluf! E isso é só um exemplo...
A morte, o medo, o horror que se esconde por trás da beleza-que-tira-o-fôlego-da-gente na natureza também é algo sobre o qual vai ser difícil que um dia eu consiga mudar de ideia e passar a achar que é bonito. Pode ser, mas acho difícil.
Mas você eu acho lindo!
DANIEL:
Então... eu não estava com muita paciência (e nem tempo) para escrever, então algumas coisas devem ter ficado confusas... e talvez ainda fiquem....
De fato, a natureza não se importa em ser bela, e realmente, isso vale para qualquer coisa que seja bela ou não. Mas não são todas as coisas que definem as regras do universo. Isso só a natureza faz. Portanto, o fato de se importar ou não em ser bela, faz diferença sim. Pois se a natureza se importasse, tudo seria diferente. E se tudo fosse belo, logo, nada seria.
Existe liberdade sim. Liberdade para fazer um monte de coisas, inclusive para deixar de matar e continuar viva. Se, por exemplo, você um dia conseguir descobrir uma forma de fazer a energia do sol ir direto para o seu corpo (ou para sua mente), não existe nenhuma lei contra isso. Não quer dizer que seja simples e ao alcance de todos, mas a liberdade está aí. Tantas coisas que fazemos hoje eram impossíveis há muito pouco tempo atrás e poderiam ser consideradas "anti naturais", e no entanto, estamos aí fazendo.
Variedade de interpretações não só existem, como são parte das liberdades que a natureza oferece. Qualquer um é livre para achar qualquer coisa bonita ou feia, não existe nenhum mecanismo para impedir alguém de pensar desta ou daquela maneira. Esta é outra coisa que eu acho "bonita" na natureza.
Quanto a enxergar beleza em cenas aparentemente horríveis, não sei se vai fazer sentido mas vou tentar explicar. Por exemplo, uma pessoa heterossexual pode olhar para um casal homossexual e achar horrível, nojento e asqueroso. Enquanto o casal pode achar perfeitamente natural e agradável. Da mesma forma, uma outra pessoa pode olhar este mesmo casal, não gostar exatamente da imagem que vê, e julgar portanto a cena feia. No entanto, ela pode perceber que não existe nada errado no ato em si. E talvez pelo fato de ver ali duas pessoas felizes e realizadas, pode inclusive acabar achando a mesma cena bonita, por outros motivos que vão além da plasticidade da imagem. A mesma coisa acontece com qualquer tipo de imagem.
Quando um predador devora a presa ainda viva, ele está apenas fazendo o trabalho dele. Simplesmente isso. Para ele, não há conflito nenhum, não existe um ser vivo sendo morto. É apenas o jantar. Nós é que conseguimos enxergar alguma violência nessa situação toda, e somente nós é que podemos atribuir qualquer valor a ela. Um valor que não vale absolutamente nada fora da nossa cabeça. Um leão sufocando uma gazela é tecnicamente tão chocante quanto a gazela comendo a grama, que a cada mordida mata dezenas de seres vivos, que por sua vez, dependem da morte de outros seres para poder viver, e por aí vai...
“A morte é apenas outra etapa da vida, que por sua vez é apenas a continuidade entre uma vida e a próxima.” Acho que não me expressei direito aqui. Não estava falando, de forma nenhuma em vida após a morte, reencarnação, imortalidade e nada dessas bobagens. O que quis dizer é que a vida existe de forma contínua, não a vida de um ser individual, mas a vida como um todo.
Quando um ser morre, vários outros vivem ou continuam vivendo, e por aí vai. Nada a ver com alma, espírito, ou sei lá. Só porque nós conseguimos enxergar o começo e o final de alguns seres, não quer dizer que este conceito faça muito sentido fora da nossa cabeça e do nosso ponto de vista. Da mesma forma que é quase impossível determinar onde uma vida começa, também não dá para saber com precisão onde acaba. E isso ainda pode mudar de acordo com o nosso ponto de vista. Pode ser que alguma coisa que consideramos inerte, na verdade seja viva. Pode até ser que tudo seja vivo, ou até nada, tudo depende de onde se observa.
Morte, medo e horror não se escondem por trás das cenas mais belas da natureza. Pelo contrário, isso tudo está bem à mostra. Nós humanos é que tentamos esconder, para de alguma forma nos sentirmos melhor com o nosso papel no universo.
DIVINA:
Não sei... Aliás, me dei conta agorinha mesmo de que coloco muito isso “não sei”, “não entendo” nos meus escritos e pode parecer que tô fazendo isso para parecer modesta, como uma espécie de truque literário ou coisa que o valha, mas não é... o fato é que eu realmente não sei e realmente não entendo...
Mas, deixando a tergiversão de lado. Estive pensando em um paralelo com isso que você disse sobre a natureza. É o seguinte: A guerra, como a natureza e respeitando-se as proporções, define muita coisa; define todo um universo humano: geografia, história, conceitos sociais, etc... e, como a natureza, não tem consciência de ser feia ou bonita...
Mas, vamos às suposições: Um civil vê um soldado estripando outro com a baioneta e acha aquilo feio, nojento, asqueroso. Um outro soldado do mesmo exército vê a mesma cena e acha maravilhoso porque é mais um inimigo sendo morto, menos um para matar a eles, soldados. De repente um historiador, décadas depois e não pertencendo ideologicamente a nenhum dos dois exércitos, vendo a mesma cena pode achá-la feia e ao mesmo tempo bonita pois o soldado da baioneta ao estripar o inimigo poderia estar salvando vários aliados já que, por exemplo, o soldado morto estava prestes a lançar uma granada em uma trincheira próxima. É um paralelo razoável, não é?
Bem, continuando, o fato de conhecer e reconhecer esses fatos (ou possibilidades de) não me faz achar que a guerra é uma coisa bonita. E aí estou falando de mim e só de mim. Você sabe que existe muita gente no mundo que adora guerra...
O mesmo digo da natureza: Outros podem vê-la de uma maneira completamente diferente da que vejo, mas isso dificilmente vai fazer com que eu deixe de ver do jeito que vejo. Mesmo reconhecendo as razões que esses outros têm para ver diferente de mim. Será que fui clara? Acho que às vezes faço muita confusão...
Quanto à liberdade, ela pode até existir da forma que você colocou, mas individualmente não existe não... EU, Divina, não posso, agora, nesse momento, parar de matar sem morrer. Não tenho essa liberdade. Não tenho muitas liberdades... Minha imaginação (e a de qualquer pessoa) consegue ir muito além do que a natureza me permite ir... Isso é fato e tem suas vantagens não tem dúvida, é graças a esse fato que nós, seres humanos, conseguimos ir tão longe em termos de civilização, em termos de tecnologia: trabalhando para chegar de fato onde apenas nossa imaginação chegou... Mas isso não faz com que a liberdade, pelo menos da forma como a entendo, exista realmente.
Nem mesmo nossa imaginação é livre, acho (e aí vai mais impressão do que certeza). Você já “sentiu” que sua imaginação está “amarrada”? Já tentou pensar em algo REALMENTE original e sentiu que sua capacidade mental não chega onde você queria? Eu sinto muito isso e acho que basta assistir aos filmes ou ler alguns livros de ficção científica pra “desconfiar” que isso não acontece só comigo: Você se lembra de que em contos do Azimov aparece escarradeira? Em 2001 eles foram muito longe mas não conseguiram imaginar um telefone portátil de longo alcance... Lembra do telefonema que o cientista faz para casa?
Enfim, talvez eu esteja dando uma definição ampla demais à palavra liberdade...
Tenho um texto que, de certa forma, fala sobre isso: O autor lembra uma musiquinha de uma propaganda antiga de calça jeans, a musiquinha dizia assim: “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” e o cara diz que não, que liberdade mesmo seria não usar calças. Acho que estou meio que falando disso. Nesse mesmo texto, o autor lembra da frase-chavão “O céu é o limite” e atenta para o detalhe “Limite”; se tem limite não é liberdade.
Talvez você tenha usado a palavra liberdade em uma acepção diferente...
Agora entendi o que você disse sobre “outra vida”, aí sim, faz sentido e eu penso da mesma forma. Só que esse fato é mais uma “não-liberdade” que a gente tem: A natureza vai transformar a minha vida em outras vidas queira eu ou não.
Enfim, filhote, acho que a natureza linda é feia e, embora compreenda que outras pessoas têm razões bem plausíveis para discordarem de mim, sei que tem muito mais gente ainda que diz isso sem nunca ter pensado de fato no que estão dizendo, como é o caso de, talvez e provavelmente, da maioria dos religiosos. Eles usam a “beleza” da natureza como prova da existência e suprema bondade de deus, eu afirmo que um deus “supremamente” bom jamais criaria algo como a natureza é.
Então, quando falo do que penso a respeito da beleza da natureza, não estou tentando fazer com que pessoas que pensaram a respeito disso (como você e o meu ex-aluno Enrico que é um biólogo apaixonado) mudem de ideia, estou tentando fazer com que quem não pensou pense; e ao mesmo tempo, claro, puxando “a sardinha” pro meu lado e pra minha “cruzada antirregião”...
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