Em 2008, quando
estava morando na França, recebi desse senhor um e-mail criticando meu hábito
de publicar textos antirreligiosos na internet. Como essa não foi a primeira
mensagem desse tipo que recebi, embora tenha sido uma das mais educadas,
respondi, aqui está a essência dessa conversa:
Ele: Contudo, minha opinião, não
necessariamente tento impô-la aos meus amigos, porque cada ser é um ser
completamente diferente, com uma cabeça completamente diferente. Quem sou eu
para converter alguém, não é mesmo?
Minha resposta: Engraçado, acho que
quando o senhor diz isso, esquece que os religiosos vivem de pregações, esquece
que as religiões, pelo menos pelo pouco que sei do assunto, incentivam como
sendo um dever do seu fiel angariar novos adeptos para sua igreja, as religiões
protestantes falam em “levar a palavra” e os Testemunhas de Jeová se espalham
pelas cidades batendo de porta em porta, inclusive incomodando o sono matinal
de muitos trabalhadores no seu único dia de descanso.
O que o senhor me
diz desses fiéis que abordam as pessoas nas ruas, que fazem longos discursos
para seus amigos e familiares, que entopem os computadores das pessoas e suas
caixas de correspondência físicas com mensagens de fé? Não vejo com muita
frequência alguém dizendo que esses religiosos estão fazendo algo terrível e
desrespeitando o direito e a privacidade das pessoas.
No entanto quando
pego um texto que alguém escreveu e com o qual concordo ou que eu mesma escrevi
depois de ler tantas mensagens me chamando “para perto do senhor” e publico em
qualquer rede social ou no meu blog, sempre recebo mensagens dizendo que estou
tentando impor minha opinião e que não tenho direito de fazer isso. É impressão
minha ou está havendo uma avaliação descabida aí? Acho que, quando se trata de
religião, os direitos decididamente não são iguais.
Além disso, o
senhor está enganado, não estou tentando convencer ninguém de nada, estou
tentando fazer com que as pessoas pensem, simplesmente pensem.
As pessoas
religiosas, mesmo as mais inteligentes e sensatas, mesmo as extremamente cultas
e estudadas, em geral pensam e raciocinam a respeito de qualquer assunto, mas
impõem-se uma barreira quando o tema é a sua fé, recusam-se a usar a sua
inteligência quando se trata de analisar o deus em que acreditam.
Em suma, por mais
inteligentes que sejam, as pessoas costumam se recusar a usar essa inteligência
para pensar, pesar e analisar o próprio comportamento quando se trata de
religião.
Eu tento
provocá-las para que o façam, só isso.
Ele: “Quando vejo um texto deste
enviado pela senhora, penso no desperdício de cultura, solidez emocional, de
situação social que a senhora tem, e teima em tratar temas deste porte por
e-mail (...) a senhora poderia utilizar este espaço grátis que lhe é oferecido,
para enviar palavras mais encorajadoras às pessoas que lhe cercam.
Minha resposta: Eu não sabia que tinha
discriminação de assunto na internet! Podem tratar de religião enviando
pregações e mensagens de fé, podem usar de “bom humor” enviando piadas e de mau
gosto e aquelas terríveis videocassetadas, podem usar de bom gosto enviando
obras de arte e de gosto duvidoso enviando correntes sem sentido ou mensagens
alarmantes e duvidosas, mas expressar alguma opinião contrária ao senso comum é
indigno!
A
meu ver, estou enviando palavras encorajadoras. As minhas palavras seriam:
liberte-se da prisão da religião e da crença! Seja livre! Você não precisa
aceitar chantagem para ser uma pessoa correta e digna, você consegue fazer o
que é certo mesmo sem a crença de um paraíso eterno para obrigá-lo a isso,
fazer o que é certo simplesmente porque é certo vale muito mais do que qualquer
chantagem religiosa!
E, de que forma e
por que meio o senhor acha que eu deveria tratar temas desse porte? Será que
devo escrever um livro e publicá-lo às minhas próprias custas e depois me
colocar diante de lugares movimentados ou bater de porta em porta tentando
vendê-lo? Seria mais digno assim, na sua opinião?
Ele: Não acha a senhora que está
forçando a barra? E que está se tornando uma pessoa chata?
Minha resposta: Não, não acho que estou me tornando uma pessoa chata. Eu
SOU uma pessoa chata! E sou chata porque penso, porque questiono, porque quando
escrevo, escrevo o que penso. Sei que o que penso não bate com o que a maioria
das pessoas pensam, daí contrario o senso comum, vou na contramão do que é
considerado positivo e “bonitinho”, não faço apologia daquelas coisas
consideradas verdades absolutas como a beleza da natureza, a perfeição do ser
humano, a maravilha da vida e a bondade de deus, pelo contrário, discordo de
tudo isso e mostro minha discordância quando escrevo, por isso sou chata e me
assumo como tal.
Se ainda existisse
inquisição eu já não estaria aqui como voz discordante da massa, já teria sido
queimada há muito tempo, mas como a inquisição acabou (pelo menos por
enquanto!) aqui estou eu, sendo chata!
Ele: O que a senhora faz de bem para o
próximo? (É claro que, excetuando os textos que manda). Com toda sua bagagem, a
senhora ajuda alguém? Ou também não acredita no amor ao próximo?
Minha resposta: Isso sim é muito
engraçado! Os religiosos têm um deus onipotente, onisciente e onipresente e vêm
perguntar a MIM o que eu faço para o próximo! Parece piada!
Desculpe a
explosão, é que o senhor não é a primeira pessoa que me faz essa pergunta em
resposta às minhas demonstrações de falta de fé e acho a pergunta tão absurda
que não acredito que alguém tenha realmente pensado de verdade nela antes de
enviá-la.
Mas respondendo:
Quando eu era bem criança, minha mãe me ensinou uma das coisas mais lindas
dentre todas as muitas coisas que ela me ensinou na vida e essa coisa foi “A
sua mão esquerda não deve saber o que a sua mão direita faz”.
Sei que minha mãe
estava citando algum preceito religioso, mas o fato é que quando ela me
explicou que com essa frase queria dizer que a gente não tem que ficar
espalhando aos quatro ventos as coisas que faz de bem porque isso é imodesto e
desvaloriza totalmente o nosso gesto, entendi e achei muito certo, acho ainda.
Ao longo da vida,
outra verdade veio se acrescentar, para mim a essa frase: Vejo que ajudar
alguém deixa as pessoas felizes. Alguém já disse que se não pedissem esmolas em
lugares públicos e se não tivesse ninguém olhando, os mendigos faturariam
muitíssimo menos.
É curioso, mas além
da necessidade de mostrar isso, parece que todo mundo fica feliz quando tem a
oportunidade de fazer alguma coisa boa por outra pessoa, ou até por um animal,
parece que as pessoas sentem – mas jamais admitiriam isso! – algo como “Que bom
que essa pessoa esteja sofrendo, assim eu posso ajudá-la!”
Eu, mais uma vez
indo na contramão, sinto exatamente o contrário: ao ajudar alguém fico
profundamente triste, fico comovida e dolorida porque sempre penso e sinto algo
como “Por que precisa existir esse tipo de sofrimento? Quantos outros horrores
como este, e pior do que este, estão acontecendo no mundo nesse mesmo momento e
eu não posso fazer nada?”
Não estou sendo
boazinha, estou sendo chata! Afinal, não sou nem sequer potente, muito menos
onipotente, não sou nem sequer ciente, muito menos onisciente, não posso estar
presente durante muitas horas nem mesmo no lugar onde estou, quanto menos ser
onipresente, e, no entanto, me dizem que existe um deus que é e pode tudo e
que, além de tudo isso é bom, mais do que bom, é a própria bondade, e ainda
assim as coisas são como são e é de mim que vêm cobrar uma atitude, de mim que
sou tão impotente! Isso tudo me entristece e me dá raiva! Como podem acreditar
em um deus assim vendo o mundo com olhos como os meus?
O senhor me chama
de inteligente, não é verdade, não sou nem um pouco inteligente, não consigo
entender as pessoas louvando e agradecendo a deus porque sararam de um
resfriado e esquecendo completamente dos milhões de crianças que estão sendo
espancadas e violentadas nesse mesmo momento e pelas quais esse deus não faz
nada! Não sou inteligente porque não consigo entender isso por mais que tente!
Ele: Sabe, Dona Divina. Não sou
religioso. Não sou tão viajado quanto a senhora. Também não tenho uma vida
maravilhosa como a senhora descreveu em seu texto anterior. Mas saiba a senhora
que respeito muito as pessoas e gosto muito de poder ajudá-las no que for
preciso e estiver ao meu alcance. Se não gosto de uma coisa eu me afasto dela e
não fico criticando de uma maneira míope. Sabe por que? Tudo na vida, mas tudo
mesmo tem visões diferentes quando vista de outro ângulo, e quem sou eu para
criticar uma coisa como Deus? E acho que a senhora também deveria pensar a
respeito desta sua miopia divina. E por falar nisto, Divina está até no nome da
senhora. Que coisa!!!!
Minha resposta: Pois é, aí nós
discordamos completamente! Pelo que vejo o senhor é religioso sim, e muito,
afinal, sentiu-se até magoado por ter lido textos enviados por mim “ofendendo”
o deus em que acredita, o senhor não se daria esse trabalho se não fosse
religioso.
E, sou um ser
humano, assim como o senhor e todo mundo, tenho cérebro, sei pensar e sei ver
as coisas porque sou assim. Na minha opinião, isso dá a mim, e a todo mundo, o
direito de criticar tudo e qualquer coisa, inclusive e principalmente deus.
Não acredito que
ele exista, mas se eu estiver errada e os religiosos certos, então ele existe e
me fez como sou, e eu tenho capacidades que, se acreditar na existência dele,
ele mesmo me deu, portanto, posso usar.
Por que tenho que
me proibir de criticar deus? Se eu estiver certa e ele não existe, estou criticando
a ideia de deus, que acho absurda e sem sentido, se eu estiver errada e ele
existe, estou criticando ele mesmo, o próprio, porque ele é um sádico
megalomaníaco.
Eu não estava
presente quando os bandidos arrastaram aquela criança pelas ruas do Rio, se ele
existe e é onipresente então ele estava e não fez nada! Eu não sabia antes de
ler no jornal que aquela menina foi trancafiada em uma cela de prisão
juntamente com uns 20 bandidos que a estupraram por dias seguidos, se ele
existe e é onisciente então ele sabia e não fez nada! Eu não podia entrar na
casa em que uma menina de quatro anos sobre a qual fiquei sabendo ontem à noite
no jornal aqui da França foi espancada a vida inteira pelo pai, pela mãe e
finalmente pelo padrasto até ser morta, enfiada em um saco e jogada no rio como
um animal, se ele existe e é onipotente então ele podia e não fez nada!
Citei três casos
dos bilhões e bilhões que aconteceram, estão acontecendo agora e acontecerão no
futuro e que eu não soube, não sei e não saberei nunca, não pude, não posso e
não poderei nunca evitar e não estava, não estou e não estarei presente no
momento em que acontecem enquanto que ele, se existe como os religiosos afirmam
com tanta convicção, soube e sabe de todos, esteve e está presente em todos, pôde
e pode evitar todos... mas não o fez, não o faz e não o fará!
Não, eu é que não
vou adorar um deus como esse! Assumo a responsabilidade!
Ele: Desculpe-me, em nenhum momento
desejo ofendê-la muito menos tentar convencê-la de alguma coisa, mas infelizmente,
não pude permanecer calado, por estes dois textos sobre Deus. Acho que não deve
brincar com estas coisas e se a senhora não acredita, ok, não serei eu que irei
convencê-la, mas por favor pense em que está divulgando gratuitamente pela
internet. A senhora tem capacidade de fazer outras coisas muito mais
importantes para a humanidade que isto.
Minha resposta: Novamente o senhor
está enganado, não estou brincando, estou falando muito sério e estou expondo o
que penso e o que sinto. Me incomoda essa crença cega que trava a capacidade de
raciocínio das pessoas.
Não
tenho capacidade de fazer nada pela humanidade comparado com o que pode fazer
deus, se ele existir, e dele ninguém cobra. Se ele que pode não faz por que eu
que não posso tenho que fazer?
Não estou ofendida,
sei que quando exponho opiniões tão contrárias ao senso comum vou receber
respostas como a sua e até respostas nem um pouco educadas (o contrário da
sua), mas pense: por que é tão errado divulgar por internet algo que se pensa e
sente quando tantas outras pessoas fazem isso e não estão erradas?
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